Como o Planejamento Tributário Pode Salvar Empresas em Crise

Escrito por Dr. Adriano Hermida Maia | 27/09/2025 19:29:55

 

 

Em um cenário de crise econômico-financeira, a carga tributária frequentemente se apresenta como um dos principais fatores de estrangulamento do fluxo de caixa de uma empresa. Dívidas fiscais acumuladas, execuções em curso e a impossibilidade de obter certidões de regularidade podem paralisar a operação e acelerar o caminho para a falência. No entanto, um planejamento tributário estratégico, integrado a um processo de reestruturação como a Recuperação Judicial (RJ), não só é possível como pode ser o elemento decisivo para a sobrevivência e o soerguimento do negócio.

A reforma da Lei nº 11.101/2005 pela Lei nº 14.112/2020 modernizou e fortaleceu os instrumentos de equacionamento do passivo fiscal, tornando a expertise tributária uma aliada indispensável na gestão de crises.

A Regularidade Fiscal como Condição para o Soerguimento

Historicamente, a exigência de apresentação de certidões negativas de débito (CNDs) para a homologação do plano de recuperação (art. 57 da Lei 11.101/2005) era um obstáculo quase intransponível. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) costumava flexibilizar essa regra em nome do princípio da preservação da empresa.

Contudo, com a Lei nº 14.112/2020, que instituiu mecanismos factíveis de negociação com o Fisco, o cenário mudou. O STJ consolidou o entendimento de que, a partir da vigência da nova lei, a comprovação da regularidade fiscal tornou-se um pressuposto indispensável para a concessão da recuperação judicial. A ausência das certidões não leva mais à falência imediata, mas à suspensão do processo até que a situação seja regularizada ( STJ - REsp 2.127.647/SP).

Isso significa que o planejamento para lidar com o passivo fiscal deixou de ser uma opção e passou a ser uma condição para o sucesso da RJ.

Instrumentos de Planejamento Tributário na Recuperação Judicial

A legislação atual oferece um arsenal de ferramentas que, se bem utilizadas, podem viabilizar a regularização da empresa e a aprovação de seu plano.

1. Transação Tributária e Parcelamento Especial: A Lei nº 14.112/2020 abriu portas para negociações antes impensáveis com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Os principais benefícios são:

  • Parcelamento Especial: Possibilidade de parcelar débitos federais inscritos em dívida ativa em até 120 meses.
  • Transação Tributária: Permite a negociação de débitos considerados de difícil recuperação ou irrecuperáveis, com a concessão de descontos de até 70% sobre juros, multas e encargos, e prazo de pagamento de até 145 meses.
  • Utilização de Prejuízo Fiscal (Lucro Real): A empresa pode usar créditos decorrentes de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL para quitar até 70% do saldo da dívida após os descontos, o que representa uma monetização de um ativo fiscal que, de outra forma, poderia não ser aproveitado.

A adesão a uma dessas modalidades permite a obtenção da Certidão Positiva com Efeitos de Negativa (CPD-EN), cumprindo o requisito legal para a homologação do plano.

2. Venda de Unidades Produtivas Isoladas (UPIs) sem Sucessão Tributária: Uma das estratégias mais eficazes para levantar capital e reduzir o endividamento é a venda de partes da operação (fábricas, filiais, marcas) como Unidades Produtivas Isoladas (UPIs). O grande atrativo tributário dessa operação está no artigo 60, parágrafo único, e no artigo 141, II, da Lei 11.101/2005.

  • Regra de Ouro: O objeto da alienação judicial estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária.
  • Segurança para o Investidor: Essa "blindagem" legal torna a aquisição de UPIs extremamente atrativa para investidores, pois eles não herdarão o passivo (trabalhista, cível e, crucialmente, tributário) da empresa em recuperação. O STJ tem reiteradamente confirmado a competência do juízo da recuperação para assegurar que essa alienação ocorra sem a sucessão de dívidas, garantindo a higidez da operação ( STJ - CC 151.621/SP).

Isso permite à empresa em crise vender ativos por um valor justo de mercado, gerando liquidez para pagar credores e financiar a reestruturação do negócio principal.

3. Otimização do Regime Tributário e Recuperação de Créditos: A crise é também um momento para reavaliar a estrutura fiscal da empresa.

  • Revisão do Regime (Lucro Real vs. Presumido): Analisar se o regime tributário atual ainda é o mais vantajoso. Uma empresa que passa a ter prejuízos consistentes pode se beneficiar da migração para o Lucro Real, para aproveitar a compensação de prejuízos fiscais futuros.
  • Levantamento de Créditos Extemporâneos: Realizar uma auditoria fiscal para identificar e recuperar créditos de PIS/COFINS, IPI, ICMS e outros tributos que não foram aproveitados no passado, gerando caixa imediato.

Conclusão

A interação entre o direito tributário e a recuperação judicial tornou-se um campo fértil para estratégias de soerguimento. Longe de ser apenas um "problema a ser resolvido", o passivo fiscal, quando tratado com a devida expertise, pode ser equacionado de forma vantajosa e até mesmo gerar liquidez por meio da monetização de ativos fiscais e da venda de UPIs.

Para a empresa em crise, integrar a assessoria tributária ao time de reestruturação desde o primeiro momento não é mais um luxo, mas uma necessidade estratégica para garantir a viabilidade do plano, o cumprimento das exigências legais e, em última análise, a própria sobrevivência do negócio.