No centro de toda discussão sobre superendividamento, existe um conceito que funciona como um escudo para proteger o cidadão: o mínimo existencial. Mais do que um termo jurídico, ele representa o direito fundamental de toda pessoa de manter uma vida digna, mesmo ao enfrentar uma montanha de dívidas.
Meu nome é Adriano Hermida Maia, sou advogado especialista na defesa de devedores, e neste artigo, vou desmistificar o que é o mínimo existencial e como a sua correta aplicação na Justiça é a chave para a sua reabilitação financeira.
Imagine que sua renda mensal é um bolo. Os credores, por meio de descontos em conta e parcelas, avançam sobre esse bolo, muitas vezes deixando apenas migalhas. O mínimo existencial é a fatia desse bolo que a lei declara como intocável. É a porção da sua renda que deve ser reservada para cobrir suas despesas essenciais e de sua família, como:
● Moradia (aluguel, condomínio, financiamento);
● Alimentação;
● Saúde (plano de saúde, medicamentos);
● Educação;
● Transporte;
● Contas básicas (água, luz, gás, internet).
O princípio por trás disso é simples e poderoso: a quitação de dívidas não pode custar a dignidade de uma pessoa. Primeiro, garante-se o direito de viver; depois, organiza-se o pagamento das obrigações financeiras.
Em 2022, o Governo Federal publicou o Decreto nº 11.150 (atualizado pelo Decreto nº 11.567/2023), que estabeleceu o valor de R$ 600,00 como o "mínimo existencial". Essa definição gerou enorme preocupação, pois é um valor evidentemente insuficiente para cobrir as despesas básicas de uma família na maior parte do Brasil.
Felizmente, o Poder Judiciário tem agido com sabedoria e sensibilidade. Os juízes e tribunais têm entendido que esse valor é apenas um ponto de partida, um piso, e não um teto que limita o direito do consumidor. A análise deve ser feita caso a caso, considerando a realidade financeira e as necessidades específicas de cada devedor.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. DEVIDO O RECEBIMENTO E PROCESSAMENTO DA INICIAL. MÍNIMO EXISTENCIAL . VALOR PREVISTO NO DECRETO Nº 11.150/2022 QUE NÃO É ABSOLUTO. ADEQUAÇÃO DO FEITO DE ORIGEM AO PROCEDIMENTO PREVISTO NO CDC. Recurso contra decisão que determinou a emenda à inicial, sob pena de indeferimento . Situação concreta de superendividamento, diante da manifesta impossibilidade da autora para pagamento das dívidas (exigíveis e vincendas). Preenchimento dos requisitos para processamento da ação de repactuação de dívidas. Decisão impugnada que fez consideração sobre o mínimo existencial, sugerindo-se o atendimento do parâmetro do art. 3ª do Decreto nº 11 .150/2022 como requisito para recebimento da petição inicial. Descabimento. O elemento essencial do superendividamento consiste na manifesta impossibilidade do consumidor (de boa-fé) honrar os débitos de consumo. E o decreto que traçou apenas um piso (normativo) para identificação do mínimo existencial . Possibilidade, em tese, do caso concreto exigir fixação em patamar (valor) superior. Essa identificação do mínimo existencial, na verdade, será relevante para o plano de pagamento (voluntário ou impositivo). Recebimento da petição inicial e prosseguimento da ação. Observância ao procedimento previsto no CDC para a ação de repactuação de dívidas . DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO, COM DETERMINAÇÃO.( TJ-SP — Agravo de Instrumento 22813557720248260000 Jales, Relator.: Alexandre David Malfatti, Data de Julgamento: 12/11/2024, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/11/2024)
Em uma importante decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo reforçou que o valor do mínimo existencial previsto no decreto não é absoluto. O juiz deve analisar as particularidades do caso concreto para fixar um montante que efetivamente garanta uma vida digna ao consumidor, podendo ser muito superior ao valor estipulado pelo governo.
Se a lei permite uma análise individual, como você pode demonstrar ao juiz qual é o seu verdadeiro custo de vida? A resposta está na organização e na produção de provas. Para lutar por um valor justo, é essencial:
A Justiça tem se mostrado receptiva a essa abordagem, priorizando a realidade dos fatos em detrimento de valores abstratos.
APELAÇÃO. PROCESSO CIVIL. CONSUMIDOR. SUPERENDIVIDAMENTO . REQUISITOS. AUSÊNCIA MÍNIMO EXISTENCIAL. COMPROMETIMENTO. NÃO DEMONSTRADO . REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. DESCABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1 . Nos termos do parágrafo primeiro, do art. 54-A do Código de Defesa do Consumidor, para a comprovação do superendividamento são necessários o preenchimento de três requisitos cumulativos: a) impossibilidade manifesta de pagamento da totalidade das dívidas de consumo exigíveis e vincendas; b) boa-fé; c) comprometimento do mínimo existencial. 2. Não demonstrado o comprometimento do mínimo existencial pelo consumidor, descabe a repactuação de dívidas, na forma prevista na Lei do Superendividamento . 3. Apelação conhecida e não provida. TJ-DF — 0704183-95.2023.8.07.0001 1839999, Relator.: EUSTÁQUIO DE CASTRO, Data de Julgamento: 05/04/2024, 8ª Turma Cível, Data de Publicação: 11/04/2024)
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios destaca que a análise do superendividamento exige a comprovação da impossibilidade do devedor de pagar suas dívidas sem comprometer o mínimo existencial. A decisão reforça que a avaliação das provas é essencial para que o Judiciário possa intervir e garantir a preservação da dignidade do consumidor.
Conclusão: Sua Dignidade Não é Negociável
O mínimo existencial não é um favor, é um direito. Lutar por ele é o primeiro e mais importante passo para quem busca sair do ciclo vicioso do superendividamento. Ignorar a definição simplista do decreto e focar em demonstrar seu real custo de vida é a estratégia que venho aplicando com sucesso para garantir que meus clientes possam reorganizar suas finanças sem abrir mão do essencial.
Se você se sente sufocado pelas dívidas, lembre-se: a lei está do seu lado, mas ela precisa ser corretamente invocada. Procure um profissional especializado para analisar seu caso e construir a defesa necessária para proteger o que é mais valioso: sua dignidade e a de sua família.
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Aviso Legal: Este artigo tem caráter meramente informativo e não substitui a consulta a um advogado. Cada caso possui suas particularidades e deve ser analisado por um profissional qualificado.