Superendividamento: Como Proteger sua Renda e Patrimônio pela Lei

A sensação de estar soterrado por dívidas, vendo o salário desaparecer antes mesmo de chegar ao fim do mês e o temor de perder bens conquistados com tanto esforço, é uma realidade para milhões de brasileiros. Se você se encontra nessa situação, saiba que não está sozinho e, mais importante, existe uma saída legal e estruturada para reorganizar sua vida financeira. Meu nome é Adriano Hermida Maia,advogado especialista na Defesa do Devedor e neste guia, vou apresentar o caminho para proteger sua renda e seu patrimônio através da Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/2021).
O Que é o Superendividamento e Quem Pode se Beneficiar?
A Lei do Superendividamento alterou o Código de Defesa do Consumidor para criar um mecanismo de socorro para a pessoa física que, de boa-fé, se vê impossibilitada de pagar a totalidade de suas dívidas de consumo sem comprometer o mínimo existencial.
Em termos simples, se as suas dívidas (como cartão de crédito, cheque especial, empréstimos pessoais e crediários) consomem sua renda a ponto de não sobrar o suficiente para despesas básicas como moradia, alimentação, saúde e transporte, você é um candidato a se beneficiar desta lei.
O objetivo não é dar um "calote", mas sim criar um plano de pagamento justo e viável, que permita a quitação dos débitos de forma organizada, garantindo que você e sua família tenham condições de viver com dignidade.
O Pilar da Proteção: O Mínimo Existencial
O conceito de mínimo existencial é a base de toda a proteção legal. Trata-se do valor da sua renda que é intocável, destinado a cobrir suas necessidades essenciais.
Embora um decreto presidencial (Decreto nº 11.567/2023) tenha fixado um valor de R$ 600,00, os tribunais têm demonstrado sensibilidade e bom senso, entendendo que esse valor é insuficiente e não pode ser aplicado de forma engessada. A Justiça tem o poder de analisar cada caso individualmente para definir um valor que realmente preserve a dignidade do devedor.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. DEVIDO O RECEBIMENTO E PROCESSAMENTO DA INICIAL. MÍNIMO EXISTENCIAL . VALOR PREVISTO NO DECRETO Nº 11.150/2022 QUE NÃO É ABSOLUTO. ADEQUAÇÃO DO FEITO DE ORIGEM AO PROCEDIMENTO PREVISTO NO CDC. Recurso contra decisão que determinou a emenda à inicial, sob pena de indeferimento . Situação concreta de superendividamento, diante da manifesta impossibilidade da autora para pagamento das dívidas (exigíveis e vincendas). Preenchimento dos requisitos para processamento da ação de repactuação de dívidas. Decisão impugnada que fez consideração sobre o mínimo existencial, sugerindo-se o atendimento do parâmetro do art. 3ª do Decreto nº 11 .150/2022 como requisito para recebimento da petição inicial. Descabimento. O elemento essencial do superendividamento consiste na manifesta impossibilidade do consumidor (de boa-fé) honrar os débitos de consumo. E o decreto que traçou apenas um piso (normativo) para identificação do mínimo existencial . Possibilidade, em tese, do caso concreto exigir fixação em patamar (valor) superior. Essa identificação do mínimo existencial, na verdade, será relevante para o plano de pagamento (voluntário ou impositivo). Recebimento da petição inicial e prosseguimento da ação. Observância ao procedimento previsto no CDC para a ação de repactuação de dívidas . DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO, COM DETERMINAÇÃO.
( TJ-SP — Agravo de Instrumento 22813557720248260000 Jales, Relator.: Alexandre David Malfatti, Data de Julgamento: 12/11/2024, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/11/2024)
O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que o valor previsto no decreto é apenas um piso, e não um teto. O juiz pode e deve fixar um valor superior para o mínimo existencial, de acordo com a realidade de cada consumidor, garantindo que a repactuação da dívida não o leve a uma situação de miséria.
Protegendo sua Renda: A Limitação dos Descontos em Folha
Uma das ferramentas mais eficazes na defesa do devedor é a limitação dos descontos de empréstimos em folha de pagamento. A jurisprudência brasileira consolidou o entendimento de que os descontos, somados, não podem ultrapassar um percentual razoável da renda líquida do devedor, geralmente fixado em 30% ou 35%.
Essa limitação é crucial, pois impede que os bancos consumam a totalidade do salário do devedor, garantindo que ele tenha recursos para sua subsistência.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0015912-40.2023.8 .17.2990 APELANTE: CARLOS FRANCISCO SANTOS APELADO: PERNAMBUCRED-COOPERATIVA DE ECONOMIA E CRÉDITO MÚTUO DOS SERV. PÚBLICOS DOS PODERES EXECUTIVO, LEGISLATIVO, JUDICIÁRIO E DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM PE, BANCO MASTER S/A e BANCO BRADESCO RELATOR: DESEMBARGADOR FERNANDO MARTINS SEXTA CÂMARA CÍVEL EMENTA:APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL . DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. LIMITAÇÃO AO PERCENTUAL DE 35%. LEI Nº 14.181/2021 (LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO). DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E MÍNIMO EXISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE REDIMENSIONAMENTO DOS DESCONTOS. DECISÃO REFORMADA. PROVIMENTO AO RECURSO - O superendividamento do consumidor deve ser analisado sob a ótica do princípio da dignidade da pessoa humana e da proteção ao mínimo existencial, conforme dispõe a Lei nº 14 .181/2021 - Em situações de superendividamento, é possível a limitação dos descontos realizados diretamente em folha de pagamento e em conta-corrente para até 35% dos rendimentos líquidos, visando preservar a subsistência do devedor e sua família - No caso concreto, os descontos realizados nos rendimentos do apelante comprometem aproximadamente 44% de sua renda líquida, caracterizando situação de superendividamento e justificando a limitação imposta - Não descuide do recente entendimento vinculante decorrente do julgamento do Tema n. 1085, do STJ, fato é que, no caso em concreto, os rendimentos da parte apelante estão comprometidos pelos próprios descontos em folha e na conta destinada ao recebimento do seu salário, onde a parte apelada e outras instituições operam, mensalmente, remanescendo a ela, ao fim e ao cabo, valor de aproximadamente R$ 3.200,00 para seu sustento pessoal e familiar - A jurisprudência deste Tribunal e do STJ têm compreendido que, sob a ótica de consagração do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e da proteção conferida ao consumidor pela Carta Magna, somado à proteção do mínimo existencial decorrente das novas disposições incorporadas ao CDC (artigo 6º, incisos XI e XII), é possível o redimensionamento dos descontos efetivados tanto em folha de pagamento, como em conta corrente - Havendo comprovação de que os descontos operados na folha de pagamento e na conta corrente da parte apelante comprometem substancialmente o seu sustento, impositiva a reforma da sentença. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Desembargadores que compõem a Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, por unanimidade de votos, dar provimento à apelação, para determinar que as apeladas limitem os empréstimos como um todo na conta da parte autora aos valores de até 35% dos rendimentos líquidos (abatidos os valores da previdência, IRPF e pensão alimentícia), dividindo-se o percentual entre todas as demandadas . Por fim, face a sucumbência, deve a parte apelada realizar o pagamento da integralidade das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes últimos que arbitro em 15% sobre o valor da atualizado da causa, considerando o disposto no § 2º do artigo 85 do CPC. Recife, data e assinatura digital. jba
( TJ-PE — Apelação Cível 00159124020238172990, Relator.: ALBERTO NOGUEIRA VIRGINIO, Data de Julgamento: 06/09/2024, Gabinete do Des. Antônio Fernando Araújo Martins)
Em um caso recente, o Tribunal de Justiça de Pernambuco reformou uma decisão para limitar os descontos na conta de um bombeiro militar a 35% de seus rendimentos líquidos. A decisão reforça que a proteção ao mínimo existencial e à dignidade da pessoa humana se sobrepõe aos contratos bancários.
Protegendo seu Patrimônio: A Repactuação de Todas as Dívidas
A Lei do Superendividamento permite que o devedor apresente um plano de pagamento para todos os seus credores de uma só vez. Isso inclui dívidas de cartão de crédito, cheque especial, empréstimos pessoais e, um ponto muito importante, os empréstimos consignados.
Embora algumas instituições financeiras resistam a incluir os consignados na negociação, a Justiça tem entendido que eles fazem parte das dívidas de consumo e devem, sim, entrar no plano de repactuação.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO COM RELAÇÃO A TODAS AS DÍVIDAS DE CONSUMO . Recurso interposto contra decisão que julgou improcedente a ação com relação aos empréstimos consignados e determinou o prosseguimento da ação com relação ao contrato nº 125944911 referente ao Banco do Brasil. Exclusão dos empréstimos consignados da ação de repactuação de dívidas. Descabimento. Na verdade, o art. 104-A § 1º do CDC não excluiu os empréstimos consignados da ação de repactuação de dívidas. E, nessa linha, o artigo 4º, parágrafo único, inciso I, letra h mencionou os "empréstimos consignados" como exclusão do cálculo do mínimo existencial. Os empréstimos consignados não foram excluídos da possibilidade da repactuação. Ação judicial que visa implementar direitos básicos do consumidor, em especial a uma vida digna (inclusive sob enfoque material), modificação de cláusulas ou revisão de contratos, acesso aos órgãos judiciários, a facilitação dos direitos do consumidor em Juízo, tratamento do superendividamento, e garantia da preservação do mínimo existencial na conciliação e repactuação de dívidas, tudo nos moldes dos incisos I, V, VII, VIII, XI e XII do artigo 6º do CDC . Processamento da ação de repactuação de dívidas que se mostra necessário em relação também aos empréstimos consignados. DECISÃO REFORMADA. AGRAVO PROVIDO.
( TJ-SP — Agravo de Instrumento 21450915320248260000 Bauru, Relator.: Alexandre David Malfatti, Data de Julgamento: 18/06/2024, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/06/2024)
O TJSP decidiu que os empréstimos consignados não estão excluídos da possibilidade de repactuação, pois o objetivo maior da lei é garantir a dignidade do consumidor, o que seria impossível se uma parte significativa de suas dívidas ficasse de fora do acordo.
Como Funciona o Processo na Prática?
O processo de repactuação de dívidas tem um rito especial, que começa com uma audiência de conciliação. Nela, o devedor, assistido por seu advogado, apresenta um plano de pagamento a todos os credores. O objetivo é chegar a um acordo que seja bom para todos.
Se a conciliação não for bem-sucedida, o juiz pode instaurar um processo para criar um plano de pagamento compulsório, que os credores serão obrigados a seguir.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS POR SUPERENDIVIDAMENTO. ARTS. 104 - A E B DO CDC . CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO. NÃO PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. FRUSTRADA A CONCILIAÇÃO. NECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO POR SUPERENDIVIDAMENTO . REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS MEDIANTE PLANO JUDICIAL COMPULSÓRIO. SENTENÇA ANULADA. 1. Nos termos do art. 54 - A do CDC considera-se superendividamento a impossibilidade manifesta do consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial. 2. O artigo 3º do Decreto nº. 11 .150, de 26/07/2022, com a redação dada pelo Decreto 11.567/2023, considera mínimo existencial o valor de R$ 600,00. 3. Uma vez comprovada a impossibilidade de pagamento das dívidas de consumo da parte autora, sem comprometer o seu mínimo existencial, deve ser reconhecida a qualidade de superendividada da consumidora . 4. A Lei do Superendividamento (Lei n. 14.181/2021), que promoveu a inclusão dos artigos 104 - A e B ao Código de Defesa do Consumidor, definiu rito específico para as ações de repactuação de dívidas por superendividamento . 5. O rito especial dos arts. 104 - A e B do CDC estabelece um procedimento bifásico, cuja fase inicial consiste na tentativa de conciliação entre as partes, com a presença de todos os credores, ocasião em que o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento, com prazo máximo de 5 (cinco) anos. Frustrada a conciliação, o magistrado, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes, mediante plano judicial compulsório, caso o consumidor seja enquadrado como superendividado . 6. Reconhecendo-se a condição de superendividada da autora, deve a sentença deve ser anulada, com o retorno dos autos à origem para que seja iniciada a segunda fase do procedimento definido nos arts. 104 - A e B do CDC, instaurando-se processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas mediante plano judicial compulsório, conforme art. 104 - B do CDC . 7. Sentença anulada de ofício.
( TJ-DF — 0704077-76.2023.8.07.0020 1833248, Relator.: ANA CANTARINO, Data de Julgamento: 14/03/2024, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: 27/03/2024)
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal anulou uma sentença justamente porque o juiz de primeira instância não seguiu o rito correto, pulando a fase de conciliação. A decisão reforça a importância dessa etapa para a efetividade da lei.
Conclusão: A Hora de Retomar o Controle é Agora
O superendividamento é um problema sério, mas com a orientação jurídica correta, é possível superá-lo. A lei oferece ferramentas poderosas para proteger sua renda, seu patrimônio e, acima de tudo, sua dignidade.
Se você está enfrentando essa batalha, não hesite em procurar ajuda especializada. Como advogado atuante nesta área, meu compromisso é utilizar todo o conhecimento técnico e os precedentes judiciais a seu favor, guiando-o em cada passo do processo para que você possa reorganizar suas finanças e retomar o controle da sua vida.
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