Como o Planejamento Tributário Pode Salvar Empresas em Crise

Em um escritrio moderno banhado por luz natural que flui atravs de uma grande janela um grupo de profissionais se rene em torno de uma mesa de conferncia No centro papis e laptops abertos testemunham uma intensa discusso sobre planejamento tributrio

 

 

Em um cenário de crise econômico-financeira, a carga tributária frequentemente se apresenta como um dos principais fatores de estrangulamento do fluxo de caixa de uma empresa. Dívidas fiscais acumuladas, execuções em curso e a impossibilidade de obter certidões de regularidade podem paralisar a operação e acelerar o caminho para a falência. No entanto, um planejamento tributário estratégico, integrado a um processo de reestruturação como a Recuperação Judicial (RJ), não só é possível como pode ser o elemento decisivo para a sobrevivência e o soerguimento do negócio.

A reforma da Lei nº 11.101/2005 pela Lei nº 14.112/2020 modernizou e fortaleceu os instrumentos de equacionamento do passivo fiscal, tornando a expertise tributária uma aliada indispensável na gestão de crises.

A Regularidade Fiscal como Condição para o Soerguimento

Historicamente, a exigência de apresentação de certidões negativas de débito (CNDs) para a homologação do plano de recuperação (art. 57 da Lei 11.101/2005) era um obstáculo quase intransponível. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) costumava flexibilizar essa regra em nome do princípio da preservação da empresa.

Contudo, com a Lei nº 14.112/2020, que instituiu mecanismos factíveis de negociação com o Fisco, o cenário mudou. O STJ consolidou o entendimento de que, a partir da vigência da nova lei, a comprovação da regularidade fiscal tornou-se um pressuposto indispensável para a concessão da recuperação judicial. A ausência das certidões não leva mais à falência imediata, mas à suspensão do processo até que a situação seja regularizada ( STJ - REsp 2.127.647/SP).

Isso significa que o planejamento para lidar com o passivo fiscal deixou de ser uma opção e passou a ser uma condição para o sucesso da RJ.

Instrumentos de Planejamento Tributário na Recuperação Judicial

A legislação atual oferece um arsenal de ferramentas que, se bem utilizadas, podem viabilizar a regularização da empresa e a aprovação de seu plano.

1. Transação Tributária e Parcelamento Especial: A Lei nº 14.112/2020 abriu portas para negociações antes impensáveis com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Os principais benefícios são:

  • Parcelamento Especial: Possibilidade de parcelar débitos federais inscritos em dívida ativa em até 120 meses.
  • Transação Tributária: Permite a negociação de débitos considerados de difícil recuperação ou irrecuperáveis, com a concessão de descontos de até 70% sobre juros, multas e encargos, e prazo de pagamento de até 145 meses.
  • Utilização de Prejuízo Fiscal (Lucro Real): A empresa pode usar créditos decorrentes de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL para quitar até 70% do saldo da dívida após os descontos, o que representa uma monetização de um ativo fiscal que, de outra forma, poderia não ser aproveitado.

A adesão a uma dessas modalidades permite a obtenção da Certidão Positiva com Efeitos de Negativa (CPD-EN), cumprindo o requisito legal para a homologação do plano.

2. Venda de Unidades Produtivas Isoladas (UPIs) sem Sucessão Tributária: Uma das estratégias mais eficazes para levantar capital e reduzir o endividamento é a venda de partes da operação (fábricas, filiais, marcas) como Unidades Produtivas Isoladas (UPIs). O grande atrativo tributário dessa operação está no artigo 60, parágrafo único, e no artigo 141, II, da Lei 11.101/2005.

  • Regra de Ouro: O objeto da alienação judicial estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária.
  • Segurança para o Investidor: Essa "blindagem" legal torna a aquisição de UPIs extremamente atrativa para investidores, pois eles não herdarão o passivo (trabalhista, cível e, crucialmente, tributário) da empresa em recuperação. O STJ tem reiteradamente confirmado a competência do juízo da recuperação para assegurar que essa alienação ocorra sem a sucessão de dívidas, garantindo a higidez da operação ( STJ - CC 151.621/SP).

Isso permite à empresa em crise vender ativos por um valor justo de mercado, gerando liquidez para pagar credores e financiar a reestruturação do negócio principal.

3. Otimização do Regime Tributário e Recuperação de Créditos: A crise é também um momento para reavaliar a estrutura fiscal da empresa.

  • Revisão do Regime (Lucro Real vs. Presumido): Analisar se o regime tributário atual ainda é o mais vantajoso. Uma empresa que passa a ter prejuízos consistentes pode se beneficiar da migração para o Lucro Real, para aproveitar a compensação de prejuízos fiscais futuros.
  • Levantamento de Créditos Extemporâneos: Realizar uma auditoria fiscal para identificar e recuperar créditos de PIS/COFINS, IPI, ICMS e outros tributos que não foram aproveitados no passado, gerando caixa imediato.

Conclusão

A interação entre o direito tributário e a recuperação judicial tornou-se um campo fértil para estratégias de soerguimento. Longe de ser apenas um "problema a ser resolvido", o passivo fiscal, quando tratado com a devida expertise, pode ser equacionado de forma vantajosa e até mesmo gerar liquidez por meio da monetização de ativos fiscais e da venda de UPIs.

Para a empresa em crise, integrar a assessoria tributária ao time de reestruturação desde o primeiro momento não é mais um luxo, mas uma necessidade estratégica para garantir a viabilidade do plano, o cumprimento das exigências legais e, em última análise, a própria sobrevivência do negócio.