Guia Prático: Como Sair das Dívidas com a Lei do Superendividamento

Quando as dívidas saem do controle, a primeira sensação é de estar em um labirinto sem saída. Para onde correr? Com quem falar? A boa notícia é que a Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/2021) não é um labirinto, mas sim um mapa. Ela criou um caminho claro, com etapas definidas, para que você possa reorganizar suas finanças.
Meu nome é Adriano Hermida Maia, sou advogado especialista na defesa do consumidor endividado, e vou ser seu guia neste roteiro prático. A seguir, apresento o passo a passo da ação de superendividamento, do primeiro contato à sua reabilitação financeira.
Passo 1: O Diagnóstico (Reunindo a Documentação)
Todo tratamento eficaz começa com um bom diagnóstico. Antes de entrar na Justiça, precisamos entender a dimensão exata do problema. Nesta fase, seu papel é fundamental. Você precisará reunir todos os documentos que comprovem sua situação financeira:
● Documentos Pessoais: RG, CPF e comprovante de residência.
● Comprovantes de Renda: Holerites, extratos de aposentadoria, declarações de Imposto de Renda, etc.
● Lista de Dívidas: Contratos de empréstimos, faturas de cartão de crédito, extratos do cheque especial e qualquer outro documento que detalhe o que você deve e para quem.
● Comprovantes de Despesas Fixas: Contrato de aluguel, boletos de condomínio, mensalidades escolares, contas de água, luz, gás, etc.
Com essa documentação em mãos, seu advogado poderá calcular o seu mínimo existencial e elaborar a estratégia jurídica inicial.
Passo 2: A Petição Inicial (O Início da Jornada)
Com o diagnóstico completo, seu advogado irá redigir a petição inicial. Este é o documento que dá início ao processo judicial. Nele, serão apresentados ao juiz:
● A narrativa da sua situação, demonstrando sua boa-fé (ou seja, que você não se endividou de forma proposital ou para comprar artigos de luxo).
● A lista completa de todos os seus credores e dívidas.
● O cálculo do seu mínimo existencial, com base nas provas reunidas.
● O pedido para dar início ao procedimento de repactuação.
Passo 3: A Audiência de Conciliação (A Grande Negociação)
Uma vez que o juiz aceita o seu pedido, ele marca a etapa mais importante do processo: a audiência de conciliação. Este é um momento crucial, onde a lei promove uma grande mesa de negociação.
● Todos os credores são convocados para comparecer no mesmo dia e horário.
● Você, assistido por seu advogado, apresentará uma proposta de plano de pagamento, sugerindo como as dívidas podem ser pagas em até 5 anos, com parcelas que caibam no seu orçamento e preservem seu mínimo existencial.
● O objetivo é que todos cheguem a um acordo voluntário.
A Justiça zela para que esta etapa seja respeitada, pois ela é a maneira mais rápida e eficiente de resolver o problema.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS POR SUPERENDIVIDAMENTO. ARTS. 104 - A E B DO CDC . CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO. NÃO PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. FRUSTRADA A CONCILIAÇÃO. NECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO POR SUPERENDIVIDAMENTO . REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS MEDIANTE PLANO JUDICIAL COMPULSÓRIO. SENTENÇA ANULADA. 1. Nos termos do art. 54 - A do CDC considera-se superendividamento a impossibilidade manifesta do consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial. 2. O artigo 3º do Decreto nº. 11 .150, de 26/07/2022, com a redação dada pelo Decreto 11.567/2023, considera mínimo existencial o valor de R$ 600,00. 3. Uma vez comprovada a impossibilidade de pagamento das dívidas de consumo da parte autora, sem comprometer o seu mínimo existencial, deve ser reconhecida a qualidade de superendividada da consumidora . 4. A Lei do Superendividamento (Lei n. 14.181/2021), que promoveu a inclusão dos artigos 104 - A e B ao Código de Defesa do Consumidor, definiu rito específico para as ações de repactuação de dívidas por superendividamento . 5. O rito especial dos arts. 104 - A e B do CDC estabelece um procedimento bifásico, cuja fase inicial consiste na tentativa de conciliação entre as partes, com a presença de todos os credores, ocasião em que o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento, com prazo máximo de 5 (cinco) anos. Frustrada a conciliação, o magistrado, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes, mediante plano judicial compulsório, caso o consumidor seja enquadrado como superendividado . 6. Reconhecendo-se a condição de superendividada da autora, deve a sentença deve ser anulada, com o retorno dos autos à origem para que seja iniciada a segunda fase do procedimento definido nos arts. 104 - A e B do CDC, instaurando-se processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas mediante plano judicial compulsório, conforme art. 104 - B do CDC . 7. Sentença anulada de ofício.( TJ-DF — 0704077-76.2023.8.07.0020 1833248, Relator.: ANA CANTARINO, Data de Julgamento: 14/03/2024, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: 27/03/2024)
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal anulou uma sentença justamente porque o juiz de primeira instância não realizou a audiência de conciliação obrigatória. A decisão reforça que esta etapa é um direito do consumidor e uma fase indispensável do processo, não podendo ser ignorada.
Passo 4: O Plano Compulsório (A Decisão do Juiz)
E se um ou mais credores não aceitarem o acordo na audiência de conciliação? A lei também tem uma solução para isso. O processo avança para a fase do plano de pagamento compulsório.
Nesta etapa, o juiz assume um papel central. Ele analisará sua capacidade de pagamento, as dívidas existentes e as necessidades do seu mínimo existencial. Com base nisso, o próprio juiz irá elaborar um plano de pagamento, que será imposto a todos os credores, mesmo àqueles que não concordaram.
AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO DO AUTOR PROVIDA, COM DETERMINAÇÃO. SUPERENDIVIDAMENTO . AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. PROCEDIMENTO. ADEQUAÇÃO AO CDC. MÁ-FÉ DO CONSUMIDOR NÃO CONFIGURADA . VIOLAÇÃO DO PROCEDIMENTO. Ação de repactuação de dívidas fundada no CDC. Sentença de improcedência. Recurso do autor . Decisão de primeiro grau que violou o CDC: (a) ausência de apreciação da petição inicial e seus requisitos específicos para ação de repactuação de dívidas, notadamente informações do consumidor e plano de pagamento voluntário, (b) não observância do procedimento, inclusive na parte da obrigatória designação inicial da audiência de conciliação e (c) qualificação inadequada do consumidor como de "má-fé". Contratos firmados após crise financeira decorrente da pandemia. Inexistência de qualquer circunstância que possibilitasse extrair que o autor agiu de má-fé quando da propositura da ação ou após aquele momento. que Ademais, o comprometimento da remuneração do autor, diante das provas constantes dos autos, é qualificado como relevante e capaz de impossibilitar o adequado cumprimento das obrigações contratuais assumidas . Ação judicial que visa implementar direitos básicos do consumidor, em especial a uma vida digna (inclusive sob enfoque material), modificação de cláusulas ou revisão de contratos, acesso aos órgãos judiciários, a facilitação dos direitos do consumidor em Juízo, tratamento do superendividamento, e garantia da preservação do mínimo existencial na conciliação e repactuação de dívidas, tudo nos moldes dos incisos I, V, VII, VIII, XI e XII do artigo 6º do CDC. Obrigação do fornecedor em renegociar. Má-fé do. Processamento da ação de repactuação de dívidas que se mostra necessário com determinação . SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO, COM DETERMINAÇÃO.( TJ-SP — Apelação Cível 1007708-23.2022.8.26.0161 Diadema, Relator.: Alexandre David Malfatti, Data de Julgamento: 13/11/2023, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/11/2023)
Ao anular uma sentença que extinguiu o processo sem a devida análise, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou o retorno do caso para que, frustrada a conciliação, fosse instaurado o procedimento para a elaboração do plano de pagamento compulsório pelo juiz, garantindo a efetividade do direito do consumidor.
Passo 5: O Recomeço (A Reabilitação Financeira)
Uma vez que o plano de pagamento (seja por acordo ou por decisão judicial)é homologado, sua jornada de recuperação começa. O cumprimento correto das parcelas do plano garante que:
● Seu nome seja retirado dos cadastros de inadimplentes (SPC/Serasa).
● Você não sofra mais com cobranças abusivas ou ações judiciais sobre aquelas dívidas.
● Você tenha um caminho claro e previsível para quitar seus débitos e, ao final, reconquistar sua plena saúde financeira.
Conclusão: Um Caminho Estruturado para a Liberdade
O processo de superendividamento pode parecer complexo, mas, como vimos, ele é um roteiro lógico e bem definido. Cada passo foi pensado para equilibrar os direitos dos credores com a necessidade de proteger a dignidade do devedor. Com a orientação jurídica correta, é perfeitamente possível trilhar esse caminho e transformar o caos financeiro em um futuro organizado e tranquilo.
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Aviso Legal: Este artigo tem caráter meramente informativo e não substitui a consulta a um advogado. Cada caso possui suas particularidades e deve ser analisado por um profissional qualificado.